Sancionado pela presidente Dilma Rousseff no dia 23 de abril, o Marco Civil da Internet entrou em vigor nesta segunda-feira (23). A proposta equivale a uma "Constituição", com os direitos e deveres dos internautas e das empresas ligadas à web. Apesar da aprovação, o site "Convergência Digital" informa que o ministério da Justiça trabalha na criação de uma consulta pública para regulamentar alguns dos tópicos mais polêmicos - essa consulta deve ficar para depois da Copa.

 Veja a seguir como o Marco Civil pode afetar, na prática, a vida de quem usa a internet no Brasil.

 Neutralidade


O Marco Civil garantirá a neutralidade da rede, segundo a qual todo o conteúdo que trafega pela internet é tratado de forma igual. Em uma comparação simples, o marco garantirá que a sua internet funcione como a rede elétrica (não interessa se a energia será usada para a

 geladeira, o micro-ondas, a televisão) ou os Correios (o serviço cobra para entregar a carta, sem se importar com o conteúdo dela).

As empresas de telecomunicações que fornecem acesso (como Vivo, Claro, TIM, NET, GVT, entre outras) poderão continuar vendendo velocidades diferentes - 1 Mbps, 10 Mbps e 50 Mbps, por exemplo. Mas terão de oferecer a conexão contratada independente do conteúdo acessado pelo internauta e não poderão vender pacotes restritos (preço fechado para acesso apenas a redes sociais ou serviços de e-mail).

Antes, a neutralidade era prevista em um regulamento da Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações). Alguns usuários, no entanto, reclamavam da prática de "traffic shaping", em que a velocidade de conexão é reduzida após uso de serviços "pesados", como vídeo sob demanda ou download de torrents (protocolo de troca de dados, geralmente utilizado para baixar filmes).

O texto do Marco Civil prevê que o tráfego pode sofrer discriminação ou degradação em situações específicas: "priorização a serviços de emergência" (como um site que não pode sair do ar, mesmo com muito acesso) e "requisitos técnicos indispensáveis à prestação adequada dos serviços e aplicações" (caso das ligações de voz sobre IP, que precisam ser entregues rapidamente e na sequência para fazerem sentido).

 Para que haja exceções à neutralidade, é necessário um decreto presidencial depois de consulta com o CGI (Comitê Gestor da Internet) e a Anatel.

"O fim da neutralidade teria um impacto negativo, dificultando que as pessoas divulgassem suas produções e informações. Se o princípio fosse quebrado, as empresas de telecomunicações privilegiariam o tráfego de dados delas mesmas ou de suas associadas [pagantes] em detrimento a outros conteúdos. Com isso, um blogueiro seria prejudicado em relação a grandes empresas com maior poder econômico", afirmou Flávia Lefèvre, consultora da organização de defesa do consumidor Proteste para área de telecomunicações.

Privacidade

 Em 2013, depois das denúncias sobre espionagem nos EUA, a presidente Dilma Rousseff pediu urgência constitucional para a tramitação do projeto. Com isso, a questão da privacidade ganhou destaque no texto.

O Marco Civil garante a inviolabilidade e sigilo do fluxo de comunicações via internet e também das conversas armazenadas – esse conteúdo pode ser legalmente acessado, no entanto, mediante ordem judicial. Na prática, suas conversas via Skype e aquelas mensagens
 salvas na conta de e-mail não poderão ser violadas, a não ser em casos envolvendo a Justiça.

Veridiana Alimonti, conselheira do CGI e advogada do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor), explica que a Constituição já previa o sigilo das ligações telefônicas, mas o Marco Civil torna essas determinações mais completas e específicas para o ambiente
 digital.

A especialista destaca ainda a importância do princípio da finalidade, segundo o qual as empresas só poderão utilizar os dados para o propósito pelo qual foram coletados. Se não estiver previsto que as informações serão expostas em anúncios publicitários, por exemplo,
 isso não poderá ser feito sem o consentimento do usuário.

Flávia, da Proteste, afirma que será possível pedir indenização no caso dessa violação. Ela exemplifica: "Se você recebe publicidade via e-mail de uma instituição que não conhece, pode questioná-la sobre onde coletou seus dados. Se eles foram passados por alguma empresa para a qual você não deu essa autorização, cabe tomar uma atitude".

O marco prevê ainda que a autorização para o uso dessas informações deverá ocorrer de forma destacada das demais cláusulas contratuais. "É importante ler os termos de uso, mas eles precisam ser compreensíveis. Não podem ser textos enormes, com letras pequenas", defende Veridiana.

Um ponto ainda considerado polêmico é a obrigatoriedade de o provedor de aplicações de internet armazenar por seis meses todos os registros de acesso que você fez naquele serviço (ex: sua conta de e-mail) – atualmente, essa prática é opcional e não há um prazo pré-determinado. Veridiana defende que a privacidade fica mais garantida quando o armazenamento é uma alternativa e não uma obrigação (isso porque a prática teoricamente só será adotada por aqueles que têm uma estrutura adequada para isso).

O projeto do Marco Civil da Internet ganhou apoio nas redes sociais de celebridades, blogueiros e entidades. Entre os que defendem a aprovação do projeto estão o cantor e ex-ministro da Cultura, Gilberto Gil, os humoristas Rafinha Bastos e Gregório Duvivier, e o ator Wagner Moura. Um 'tuitaço' com a hashtag 'EuQueroMarcoCivil' foi promovido pela aprovação do texto na Câmara dos Deputados. Ao mesmo tempo, opositores ao projeto tuitaram com a hashtag 'TodosContraMarcoCivil' para criticar o projeto Leia mais Reprodução/Twitter

Cumprimento de leis brasileiras

O texto final do Marco Civil excluiu um artigo que obrigava empresas estrangeiras a instalarem no Brasil seus datacenters (centros de dado para armazenamento de informações). Por outro lado, reforçou o artigo 11, que determina o cumprimento das leis brasileiras por parte de companhias internacionais, mesmo que elas não estejam instaladas no Brasil.

Isso invalidará o argumento daqueles que se recusavam a entregar dados, mesmo mediante ordem judicial, sob alegação de que as informações estavam armazenadas em datacenters no exterior. Ou seja: o usuário pode exigir que as empresas de internet de sua escolha trabalhem de acordo com as leis nacionais (inclusive no caso de processos e batalhas na Justiça).

Recentemente, por exemplo, em um caso que ameaçou bloquear o Facebook no Brasil, a companhia teria alegado não ser responsável pelo gerenciamento de conteúdo e da infraestrutura do site no país. A incumbência seria da competência do Facebook Inc e Facebook Ireland, localizados respectivamente nos Estados Unidos e na Irlanda.

"A legislação brasileira tem que se aplicar para a proteção de dados de brasileiros que contratam esses serviços no Brasil e que estão tendo a sua privacidade violada inclusive por empresas que exploram economicamente a sua atividade no país", disse Molon em entrevista ao programa "Poder e Política", da Folha e do UOL. Segundo ele, muitas vezes o argumento era: "Não somos obrigados a seguir a legislação brasileira porque armazenamos esses dados em outro país". Na ocasião, o relator classificou a situação como inadmissível.

Exclusão de conteúdo

A exclusão de conteúdo só pode ser solicitado por ordem judicial – assim, não fica a cargo dos provedores a decisão de manter ou retirar do ar informações e notícias polêmicas. Portanto, o usuário que se sentir ofendido por algum conteúdo no ambiente virtual terá de procurar a Justiça, e não as empresas que disponibilizam os dados.

"Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, o provedor de aplicações de internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para [...] tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente."

O tratamento é diferenciado para a chamada "vingança pornô" (divulgação não autorizada na internet de conteúdo sexual). Nesses casos, o participante ou seu representante legal deve enviar uma notificação para o provedor de aplicações (ex: Facebook ou Google),
 que tem de tornar esse material indisponível.

Renato Opice Blum, especialista em direito digital, faz uma crítica a essa diferenciação. "Se vale para uma pessoa, deveria valer para todo mundo. Mas com certeza isso ainda será discutido. E os juízes têm autonomia para interpretar os casos de forma mais ampla", afirmou. 


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